domingo, 17 de fevereiro de 2013

Transmédia


À nova estética que surgiu em resposta à convergência dos vários tipos de média, chamou Henry Jenkins  narrativa transmédia. Esta nova estética “faz exigências aos consumidores e depende da participação de comunidades de conhecimento. A narrativa transmédia é a arte da criação de um universo”

Para que a narrativa transmédia sobreviva é necessário que os seus consumidores a persigam no universo ficcionado onde ela se materializa. Normalmente os seus consumidores organizam-se em comunidades de fãs onde partilham pedaços da narrativas recolhidos nos diversos canais onde ela é vinculada. São comentados esses pedaços da história entre fãs e com outros fãs de outras comunidades que partilham o mesmo universo, através de grupos de discussão on-line. O início do processo transmediático pode dar-se através do interesse em determinada história ou narrativa, em suporte: livro, filme, música, jogo, vídeo-jogo…) que ao encontrar um feedback  favorável do público/consumidores pode ser explorado em outras dimensões e em outros suportes de média, tangíveis e intangíveis, gerando receitas que podem ser muitos significativos nas diversas indústrias e comercio. Este alargar de audiências, por si só, sem este enlace com os consumidores (fãs), dificilmente aconteceria. 

“A narrativa transmédia é a arte da criação de um universo” daqui se depreende que a passagem da narrativa para outro média é feita com a intenção de alargar e melhorar a perceção do universo ficcionado (muitas vezes intencionalmente complexo) junto do seu público, de forma a oferecer experiências de entretinimento mais ricas, e consequentemente alargar o número de consumidores, geradores de receita através das estratégias promocionais. Matrix, Henry Potter e a Guerra das Estrelas são exemplos marcantes destes novos universos. No caso da Guerra das Estrelas, os fãs obrigam a uma remodelação ativa da mitologia a fim de satisfazerem os seus desejos, muitas vezes fazendo jus do seu próprio conhecimento sobre determinado conteúdo e do enlace (do melhor enlace, discutido em grupo) esperado pelos seus seguidores, enriquecendo assim a narrativa num processo onde se reconhecem os fundamentos da inteligência coletiva e da cultura participativa.

De forma abreviada, a narrativa transmédia assenta nos seguintes princípios: Potencial de compartilhamento vs profundidade, Continuidade vs Multiplicidade, Imersão vs Extração, Construção de universos, Serialidade, Subjetividade e Performance.


Numa pesquisa no Google com a frase "jogos guerra nas estrelas" (em português e entre plicas "") foram  devolvidos 1.140.000 resultados.



Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008 


sábado, 16 de fevereiro de 2013

Cibercultura e Cultura da Convergência


A cibercultura, segundo André Lemos, formou-se pela “convergência do social, e do tecnológico”, em que os seus contornos, inicialmente difusos, com a “inclusão da socialidade na técnica” – socialidade descrita por Maffesoli como um conjunto de práticas quotidianas (hedoísmo, tribalismo, presenteísmo, vitalismo, formismo) que escapam ao controlo social e que constituem o substrato de toda a vida em sociedade -, vai adquirindo contornos mais nítidos.

Inicialmente vista como uma contracultura, muito por causa das suas posições contra o totalitarismo da razão científica, da racionalização dos modos de vida e da Natureza, a cibercultura “não recusa a tecnologia”, e seria paradoxal se assim não fosse, pois a sua génese vem da própria razão científica: a cibercultura “emerge da relação simbiótica sócio-cutural e as tecnologias de base da micro-eletrónica.

Hoje, o próprio termo cibercultura é, por si só, menos estranho culturalmente, ou seja, as suas ferramentas tecnologias de partilha de emoções e de conhecimento, de convivialidade, de “retorno comunitário”, em suma, de conetividade sociocultural, vulgarizaram-se. Atualmente, a “cibercultura é a socialidade na técnica e a técnica na socialidade” têm contornos muito maís nítidos. Entre os muitos exemplos marcantes desta simbiose tecnológica, que atualmente chamaria discreta, encontramos a adoção das redes sociais pelos políticos, até pelo Papa, para a sua propaganda junto da comunidade e dos mass media. 

A cultura da convergência de Henry Jenkins dá enfase à inteligência coletiva e à cultura participativa, salientado que todo este processo é essencialmente cultural e não tecnológico. Em André Lemos não encontramos essa preocupação em afastar a técnica do conceito, mas sim uma maior aceitação de que a cibercultura e o ciberespaço enquanto forma técnica, são “ao mesmo tempo limite e a potência dessa estrutura social de conexões táteis, que são as comunidades virtuais […] um mundo saturado de objetos técnicos, será nessa forma técnica que a vida social vai impor o seu vitalismo (a socialidade) e reestruturá-la.” Ou seja, André Lemos vê-as mais com uma “sinergia entre a socialidade contemporânea e a técnica em que a primeira não rejeita a segunda.”

Nestes dois conceitos, cibercultura e cultura de convergência, encontramos como ponto comum: o impacto das tecnologias, especialmente a digital, na sociedade contemporânea. Ambos tendem a criar novos percursos comunicacionais e produzir conteúdos alternativos aos existentes no status quo dos poderosos mass media tradicionais. Isto no novo mundo digital, virtual, em que existe um grande potencial de partilha de conteúdos, tanto a nível individual como coletivo (fãs, chats, blogs, MUDs…), todos eles mergulhados na aparente liberdade onírica da Rede das redes.

Lemos, André. Ciber-Socialidade. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea.
Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Cultura da Convergência, Inteligência Coletiva e Cultura Parcipativa


A convergência ocorre, de facto, “dentro do cérebro dos consumidores individuais e em suas interações com os outros.” A convergência acontece na confluência das fontes de informação junto dos seus utilizadores e na sua partilha depois de aditivada (ou não). As novas tecnologias permitem que essa informação flua por diversos canais tecnológicos e que os utilizadores a recebam de forma espartilhada, sendo eles os responsáveis, os decisores, pela ativação (ou não) da convergência da forma mais adequada às necessidades de contexto. Será uma forma de zapping constante ao fluxo de conteúdos provenientes das múltiplas plataformas mediáticas, procurando em pontos dispersos as fontes do saber - fruto da “inteligência coletiva” e da “cultura participativa -, o conhecimento convergente para alcançar determinado objetivo. No sentido inverso, como emissor/produtor, no colocar “de volta” a informação, as premissas são muito semelhantes, como nos diz Jenkins, os “consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo dos mídia e para interagir com outros consumidores”. 

Assim, a inteligência coletiva surge e amplia-se dentro da própria ubiquidade da Rede da redes e nos novos media, onde a fragmentação da informação é uma realidade, mas talvez por isso mesmo, detentora de um enorme potencial para gerar conhecimento, se convenientemente interrogada e partilhada A essa pesquisa podemos chamar processo de agregação da inteligência coletiva, de convergência, em que os saberes de cada um, a inteligência individual depositada na Rede, pode resultar no conhecimento de que necessitávamos à priori, e até ser muito significativo em determinados contextos, à posteriori. De forma empírica é isso que fazemos quando colocamos informação num repositório web (blogs, redes sociais) ou quando utilizamos um motor de busca. Esta capacidade das comunidades virtuais promoverem de forma combinada o conhecimento entre os seus membros, sintetiza o argumento de Jenkins: “nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos as nossas habilidades”. 

Esta agregação da informação é feita de forma autónoma, podendo constituir, por isso, uma “fonte alternativa” ao poder dos media, normalmente formatados dentro de um processo comunicacional complexo e inacessível à grande maioria dos seus utilizadores/consumidores/espatadores. Este comportamento ativo, “migratório”, contrasta com a atitude passiva dos espetadores/consumidores dos mass media tradicionais. Agora, os indivíduos conseguem interagir através da sua inteligência individual, suportados por um conjunto diversificado de regras e tecnologias, agregando e partilhando conhecimento, criando a inteligência coletiva. Esta convergência e partilha dos novos media, favorece a cultura participativa como um processo de mudança cultural, em que ao invés de os olhar separadamente, quem produz e quem consome, passamos a olhá-los como participantes no mesmo processo, interagindo, dialogando, mutuamente de acordo com os nossos interesses e necessidades, individuais e coletivos, “lutando pelo direito de participar plenamente na sua cultura”. Como demonstra Jenkis, as comunidades de fãs (ele também um fã assumido), foram “as primeiras a adotar e usar criativamente os mídia emergentes”, são um bom exemplo da cultura participativa. 

Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008.

Henry Jenkins (http://henryjenkins.org)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Cultura da Convergência - Henry Jenkins


Henry Jenkins alerta-nos que a convergência "não deve ser compreendida principalmente como um mero processo tecnológico que une múltiplas funções dentro do mesmo aparelho", por mais sofisticado que possa vir a ser, mas sim como um fluxo de conteúdos que se cruzam através de múltiplos suportes mediáticos e onde o comportamento dos produtores e dos consumidores, e dos seus poderes perante sobre esses mesmos conteúdos, provocam interações muitas vezes imprevisíveis. Dentro da linha de pensamento, numa perspetiva mais ampla, encontramos outros cientistas sociais como Castells, Orteleva, Webster, etc., que nos dizem que “a sociedade não é a tecnologia mas sim a forma como nos apropriamos dessa tecnologia sendo essa apropriação fruto de inúmeras possibilidades. A geração da tecnologia ocorre num ambiente social e á influenciada por ele.” e ainda “As tecnologias são sociais nas suas origens e efeitos” (Cardoso, 2006 : 52,53)

Penetrando na brecha deixada por Henty Jenkins em “não deve ser compreendida principalmente”, questionamos se a sua visão da “Cultura de Convergência”, retida num tempo tecnológico já algo distante, (1ª ed. 2006), será exatamente a mesma que em 2013. Se o “principalmente” não terá outro peso atualmente, quando o estado de integração e de migração efetiva dos conteúdos dos suportes tangíveis para os intangíveis, fruto da digitalização massiva, e a sua partilha efetiva, atingiu níveis bastante elevados. O acesso aos conteúdos convergiu de forma vertiginosa para as plataformas web, através do XML, HTML5, etc., etc. Hoje, as múltiplas “caixas negras” não estão confinadas à sala de estar, singularizaram-se e agora acompanham-nos. Fala-se muito, por exemplo, de “tablets”, mas não tanto do seu sistema operativo, se OS/2, se Android ou Windows 8, simplesmente conseguimos aceder, publicar e partilhar. Mesmo as aplicações informáticas, algumas de alto desempenho, estão na “nuvem”. Hoje o novo paradigma computacional chama-se “cloud computing”, flui na Rede das redes, sendo também o web browser a interface privilegiada. Nestes 7 anos muita coisa mudou, arriscaria por isso: o “principalmente” de Henry Jenkins tem agora um maior peso na - actual - convergência, diria, facilitando-a, naturalmente!

Mas, no essencial, a convergência ocorre, de facto, “dentro do cérebro dos consumidores individuais e em suas interações com os outros". A convergência dá-se na confluência das fontes de informação junto dos seus utilizadores. As novas tecnologias mediáticas permitem que a informação flua por diversos canais tecnológicos e que um mesmo utilizador as receba de diversas formas, sendo ele o decisor, o responsável,, por ativar (ou não) a convergência da forma mais adequada às necessidades de contexto. Será uma forma de zapping informativo constante, procurando em pontos dispersos as fontes do saber - fruto da “inteligência coletiva” e da “cultura participativa" - o conhecimento convergente para alcançar determinado objetivo. No sentido inverso, como emissor, no colocar “de volta”, num processo cíclico   "arquivo, apropriação e recirculação do conteúdo das mídias", aditivada ou não, as premissas são muito semelhantes, como nos diz Jenkins os “consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo dos mídia e para interagir com outros consumidores”. A convergência representa, de facto, uma mudança no modo como encaramos as nossas relações com os media. 

Desta reflexão atrevo-me a concluir que a convergência enriquece-se com a divergência tecnológica na produção e difusão de conteúdos nos diversos canais, potenciando a cultura participativa fora dos grandes media, mas também, e no mesmo sentido, com a possibilidade de convergência num único aparelho no acto de recepção.  Assim, atualmente, a “falácia da caixa preta” merece uma análise mais cuidada e menos acutilante, pois a convergência tecnológica actual facilita a recolha e a difusão da informação, ou seja, a cultura da convergência. 


 Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008.

Cardoso, Gustavo (2006), Os Media na Sociedade em Rede, Fundação Calouste Gulbenkian


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Pós-humano


No texto “O corpo biocibernético e o advento do pós-humano”, Lúcia Santaella oferecemos uma breve resenha histórica do processo de hibridização que o corpo humano tem vindo a sofrer numa estreita simbiose com as tecnologias. Parece-me claro que todo este processo surge, tanto da necessidade de resolver problemas funcionais e estéticos decorrentes de anomalias genéticas ou provocadas pelo ambiente, como pela ambição de ser mais forte, mais belo, mais competente ou simplesmente na procura de novas experiências sensoriais, estéticas ou artísticas. Como pano de fundo, neste trajeto, encontramos a forte influência do artefacto eletricidade/eletrónica, reforçada com chegada da “revolução digital”, sua descendente tecnológica. Marca a “entrada numa nova era”, que se prevê vir a influenciar de forma ainda mais marcante a nossa existência e o nosso corpo, actualmente já pós-humano.

A física, a química e a matemática (ciências base da eletrónica, que se realimentam dela própria para evoluírem, através da pesquisa, investigação e cálculo com artefactos eletrónicos), e as ciências na generalidade, como é do senso comum, estiveram e estão a ter um forte impacto sobre a humanidade e sobre a mãe natureza. Focando-nos na eletricidade passando depois para a eletrónica, primeiro a analógica, depois a digital, desde os finais do sec. XIX até à presente data, apercebemo-nos da sua influência decisiva naquilo que somos e para onde caminhamos. Isto numa dimensão e num periódico drasticamente antagónicos: nunca nenhum artefacto criado pelo ser humano teve tão forte influência, num tão curto período de tempo, no pressuposto desenvolvimento civilizacional.


No texto de Santaella encontramos referências explícitas à influência que o artefacto eletricidade/eletrónica teve neste mesmo desenvolvimento socio-cultural, até à revolução digital, considerada como a “entrada numa nova era”, que se prevê influenciar de forma ainda mais marcante a nossa existência e o nosso corpo.

No advento do pós-humano encontramos o efeito profundo da eletrónica (Hayles, 1992), que acaba por ser transversal a todas as tecnologias pós-humanas, especialmente se entendermos que as tecnologias aparentemente mais afastadas da eletrónica, como por exemplo as biotecnologias, são altamente dependentes desta, desde a fase de investigação até à produção final dos artefactos. As que mais dependem diretamente da eletrónica - aqui mais digital/computacional - são: RV – Realidade Virtual e a Rede das Redes – Internet.
Relativamente às “múltiplas realidades do corpo”, das classes apresentadas por Santaella, voltamos a encontrar no corpo esquadrinhado, plugado, simulado e digitalizado uma forte dependência da eletrónica. Em todas elas, encontramos as expressões artísticas em que "as artes tomam como foco e material de criação as transformações por que o corpo, e com ele, os equipamentos sensório-perceptivos, a mente a consciência e a sensibilidade do ser humano vêm passando como fruto de suas simbioses com tecnologias" (p.271)

Mas a maior revolução ainda poderá estar para vir: quando se conseguir armazenar e processar informação em sistemas vindos da biotecnologia e da nanotecnologia – já em franco desenvolvimento – em que os processos de conversão digital/analógico serão necessariamente diferentes, ou até mesmo inexistentes, mais próximos do processo biológico natural, ou seja, do analógico. Aqui o corpo híbrido será todo ele orgânico, sendo a parte maquínica utilizada na preparação dos métodos e das interfaces que serão implantadas a posteriori no nosso corpo.


Apenas com nota, será interessante refletirmos sobre o seguinte: num contexto meramente eletrónico e biológico, é relevante termos a noção que o corpo humano nunca irá comunicar diretamente com a máquina digital, contrariamente ao senso comum. Entre a máquina digital e o ser humano, existirá sempre uma interface que converterá os sinais digitais em analógicos em digitais e vice-versa, os chamados conversores analógicos/digitais e digitais/analógicos. O homem é, e será sempre, um ser analógico, assim como toda a natureza que nos rodeia. O digital é simplesmente um artefacto genial inventado pelo homem que armazena informação num sistema binário, em 0’s e 1’s, na verdade, ainda muito imperfeito, do qual se esperam sempre maiores taxas de amostragem, maior capacidade de processamento, maiores taxas de transferência, etc., etc. e dificilmente um dia será perfeito. Penso que a maior revolução ainda está para vir quando se conseguir armazenar e processar informação num sistema que não o digital, como por exemplo, os sistemas vindos biotecnologia e nanotecnologia – já em franco desenvolvimento – em que os processos de conversão serão necessariamente diferentes, ou até mesmo inexistentes, mais próximos do processo biológico natural, ou seja, do analógico

Santanella, Lúcia, O corpo biocibernético, o advento do pós-humano, S.P.,Ed.Paulus, 2003