segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica


Walter Benjamin

Partindo da inevitabilidade de que uma obra de arte é, por princípio, sempre reproduzível Walter Benjamin mostra-nos de como o homem se predispõe a imitar o original, de forma mais ou menos precisa e explícita, artesanalmente ou fazendo uso de técnicas rudimentares, até à utilização de artefactos na reprodução técnica da obra de arte, cada vez mais complexos, que procuram desvalorizar ao mínimo “o aqui e agora da obra de arte”, possibilitando a sua multiplicação e, consequentemente, a sua exposição e grande difusão. Da obra de arte limitada a uma elite, supostamente culta, que a sabia apreciar e fruir, graças à reprodutibilidade técnica, passamos ao seu usufruto pelas massas, num entendimento diverso e muito próprio do que é uma obra de arte, afastando-se, tendencialmente do seu valor de culto.

Dentro desta espiral tecnológica chega a fotografia: “o primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário”, liberta a mão “das mais importantes obrigações artísticas no processo de reprodução de imagens”. O seu caráter imediato e preciso de registar os objetos, vai modificar profundamente a nossa relação com o mundo (in)visível, ou que passou a ser visível.


André Malraux no seu famoso Le Musée Imaginere (1954) fala-nos da fotografia como processo de reprodução/exposição de obras de arte, em múltiplos formatos, para o seu Museu Imaginário, procurando modificar a relação das massas com a arte, permitindo-lhe o acesso que de outra forma nunca teriam, sabendo nós que a maioria das pessoas não frequenta museus ou galerias de arte. Quando surgiu a fotografia, ela foi muito utilizada como meio de difusão das obras de arte, especialmente junto daqueles que não podiam adquirir as gravuras que elas reproduziam. O museu, o monumento, a obra de arte na generalidade, que estava distante e inacessível passou a está-lo, exposta num só plano, é certo, e perdendo muita (toda?) a sua autenticidade, desvalorizando “o aqui e agora da obra de arte” original, mas satisfazendo a(s) curiosidade(s) e proporcionando conhecimento.


Esta alteração com o visível e reproduzível vai continuar com o cinema, onde a fotografia adquire movimento, mais tarde som, proporcionando um espetáculo nunca antes imaginável. O seu significado social, pela sua capacidade de captar e de expor a “aura” e singularidade das obras de arte e de todas as imagens que nos rodeiam, o meio ambiente, revela-se historicamente muito relevante, criando um processo semelhante ao Ge-Stell, mencionado por Heidegger.

Assim como a fotografia trouxe em relação à pintura apaixonantes debates sobre o seu valor como arte, e a sua valorização/desvalorização reciproca, o cinema trouxe igual debate em relação ao teatro: “para a obra de arte que surge integralmente na reprodução técnica como o filme – não há maior contraste que o palco”. O ator actua perante um equipamento que regista imagens que serão transportadas, fragmentadas, montadas e posteriormente apresentadas ao público, que é o mercado dessas mesmas imagens.

A possibilidade dessas imagens serem vistas em simultâneo pelo coletivo, pelas massas, leva a que Duhamel chame ao cinema “um passatempo para ralé, uma diversão, para criaturas iletradas e miseráveis, gastas pelo trabalho e consumidas pelas preocupações…”. O mercado e os políticos, sabem que, na verdade, em grande parte do seu público assim acontece, por isso há que explorar a(s) imagem(ns).

Como nota final, neste texto, no epílogo, aparecem referencias à guerra. Tal como nos outros textos, o final ainda recente da II Grande Guerra e importância da técnica para a sua persecução influenciou o autor.     










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MALRAUX, André. Museu Imaginário, Lisboa : Edições 70, 2000

domingo, 11 de novembro de 2012

A Crítica da Técnica e da Modernidade - A Questão da Técnica

                                                                                                                                (revisto e atualizado)
A Crítica da Técnica e da Modernidade
Em Heidegger e McLuhan

A Questão da Técnica
Martin Heidegger

Dentro do deslumbre das minhas mais recentes leituras - deslumbre por reencontrar conceitos familiares e que são agora revistos noutras perspectivas; deslumbre com o novo que nos interpela e nos fascina – encontrei algo que me interessa particularmente: a mediação, os processos de mediação. Mas antes disso,

A leitura “A essência da técnica não tem absolutamente nada de técnico” e "A Questão da Técnica" de  Heidegger, relembrou-me a “Condição Humana” de Hannah Arendt. Em ambos os textos, publicados na década de 50 do século passado, são transversais  questões  como a utilidade da técnica, o seu contributo para o "desencobrimento", na procura da  “verdade”, a unidade do universo, medida  única, no micro e no macro, cósmica e universal. O Ser fora de Deus. O seu impacto na natureza e no homem: no sistema produtivo (homo faber, animal laborans), na cultura e nas artes.

"...encontramos as atitudes típicas do homo faber: a «instrumentalização» do mundo, a confiança nas ferramentas e na produtividade do fazedor de objectos artificiais... e a convicção geral de que qualquer assunto pode ser resolvido e qualquer motivação reduzido ao princípio da utilidade; a soberania que vê todas as coisas dadas como matéria-prima e toda a natureza como «um imenso tecido do qual podemos cortar qualquer pedaço e tornar a  coser como quisermos» (Bergson, 1948), equacionamento da inteligência com a engenhosidade, ou seja, o desprezo por qualquer pensamento que não possa ser considerado como «primeiro passo... para a fabricação de objectos artificiais, principalmente de instrumentos para fabricar outros instrumentos e permitir a infinita variedade da sua fabricação..." (Arendt, 1958, p. 374).

"...Nada talvez pudesse preparar melhor a nossa mente para a eventual dissolução da matéria em energia, de objectos num torvedilinho de ocorrências atómicas, que esta dissolução da realidade objectiva em estados de alma subjectivos, ou, antes, em processos mentais subjectivos."  (Arendt, 1958, p. 348)

Da leitura da “Condição humana” inferi que Hannah Arendt sofreu forte influência da II Guerra Mundial e do seu final nuclear quase apocalíptico. Fruto da  ação do homo faber, de repente surgiu do "nada" uma fonte de energia que podia mudar o mundo, inclusive, aniquilá-lo. A demonstração da (in)utilidade da energia atómica, postulada no início do século por Einstein, vai recalcar a ideia que as possibilidades de manipulação da natureza pelo homem poderiam ter consequências imprevisíveis. Pareceu demonstrar, especialmente para o grande público, o assombroso poder da ciência, da técnica e, em última análise, o (des)controlo  homo faber sobre a mãe natureza.

Não conheço a obra de  Heidegger para fazer um juízo se o nuclear, na época, influenciou a sua obra como aparentemente o fez em Arendt. É provável que sim. [1]

Na "A Crítica da Técnica e da Modernidade em Heidegger e McLuhan" chega-me a questão da mediação e o seu lugar central na cultura contemporânea, onde o livro e a "Galáxia de Gutemberg" é considerada no processo de mediação, uma forma tecnológica tradicional... [que entretanto] "já entraram em crise".

Interessa-me especialmente estes aspetos nesta u.c., Processos de  Comunicação Digital, pois a minha investigação vai centrar-se na promoção da leitura através da mediação digital. Sabemos do forte impacto do digital sobre a leitura nos suportes tradicionais, tangíveis. Lê-se agora mais, mas de outras formas.

"Para McLuhan, o remoinho é a metáfora do caos social produzido pelo engenho técnico humano. O poder desse remoinho é, actualmente, tão grande que é inútil tentar enfrentá-lo... deixando-se levar, poderá obter vantagens."

Mcluhan destaca três dimensões ou conjuntos históricos, técnicos e comunicacionais:

- A dicotemia Oral/escrito: "a invenção da escrita, para McLuhan, violou a multiplicidade sagrada dos sentidos que a oralidade preenche"
- O surgimento dos tipos móveis - A imprensa: "um modelo primitivo da tecnologia industrial: ao deixar-se ‘colonizar’ pela informação processada segundo este esquema, o sujeito moderno condiciona-se a aceitar, inadvertidamente, a tirania desumanizadora da vida mecânica"
- A Era da electrónica: "dominou as influências desintegradoras da imprensa e recolocou o humano na dimensão da ‘aldeia global’.

A imprensa não se confina a uma sequência de carateres, existem as imagens (como existiam as iluminuras nos incunábulos), na verdade, cumpriu (cumpre) um importante papel civilizacional. Existem muitos remoinhos tecnológicos, também é verdade. Acredito que a seu tempo tudo se tornará claro.

"A resposta a dar à cultura passa pelo reconhecimento, como disse, em algum lugar, G. Agamben, de que tudo se joga ‘em exibir uma medialidade, em tornar visível um meio como tal’, o que passa por ir além da instrumentalidade e da ilusão de controle."


[1] - Numa consulta ocasional, após a escrita da presente mensagem, deparei-me com o seguinte informação na Wikipédia:

"Martin Heidegger teve como aluna a judia Hannah Arendt, que se tornou também uma importante filósofa do século XX, com quem se envolveu amorosamente."

Está explicado porque é que encontrei bastantes semelhanças os textos.


Arendt, Hannah. A Condição Humana. Lisboa: Relógio D'Água, 2001



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