quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Máquinas de Imagens

Philipe Dubois

A morte, inerente à existência de todo o ser vivo, levou os chamados inteligentes a marcarem o espaço físico, social e cultural onde se inserem de diferentes formas. Para quê? Para preservarem as suas memórias, memórias essas que transportam o conhecimento de geração em geração, seja ela neural, iconográfica, monumental, fotográfica… ou digital. A primeira, a do nosso sistema neural, é efémera, não tem um fim datado, mas tem sempre um fim. Então como preservar e transmitir o conhecimento que lhe está associado? Esse tem sido um dos grandes desafios da humanidade. Depois da oralidade (do ouvir e do dizer), das imagens das pinturas rupestres, chegamos a formas muito complexas de preservar as memórias e, num salto muito significativo, através das novas “máquinas de imagens”.


Centrando-se nas “quatro últimas tecnologias” que suportam as “máquinas de imagens”, fotografia, cinema, televisão/vídeo e informática, Dubois mostra-nos a importância da novidade tecnologia associada a esse ato maquínico de registar e reproduzir as imagens. A novidade tem um papel fundamental no discurso e nas novas estéticas que supostamente brotam dessas imagens feitas sem a arte da mão do homem. A inovação tecnológica, a “retórica do novo”, numa apoteose tecnológica quase profética, parece provocar uma rutura com o passado, num sentido quase revolucionário que advém da utilização das novas “máquinas de imagens”, que acaba por provocar uma forte distorção entre o discurso e a realidade prática. Consciente deste facto, Dubois procura fazer uma de análise muito minuciosa, seguindo três eixos transversais:

- A questão maquinismo-humanismo (O lugar do Real e do Sujeito)

A “perda de artisticidade” a “desumanização” provocada pela falta da mão do artista na fabricação das novas imagens fotográficas vindas de uma technè que atinge um lugar quase “divino” na época, provoca inquietação no meio artístico. A construção das imagens é agora feita de forma automática, onde o homem é particamente excluído do ato. As imagens produzidas, fruto de uma representação quase perfeita e objetiva do mundo,  introduzem uma nova relação entre o Real e o Sujeito, Tal fato resulta num “problema de atrofia do homem”,  numa possível dissolução do Sujeito. Segundo Jonathan Crary a evolução do maquínico e o problema do humanismo ou da artisticidade são coisas bem diferentes: “o desenvolvimento daquela não tem necessariamente como correlato a regressão destes”.

A evolução do maquinismo é marcada pelo advento do cinema que possibilita a produção do imaginário, reintroduzindo o Sujeito na imagem, modificando substancialmente a relação entre o humanismo (estética) e o maquinismo (tecnologia).

Com a chegada da “máquina” de ordem quatro, a televisão e do sinal vídeo, dá-se uma nova evolução significativa, até aqui tínhamos, inevitavelmente, imagens do passado do passado, registadas em suportes de memoria química, inalteráveis, surge a possibilidade de termos as imagens em múltiplos lugares num mesmo intervalo de tempo, como se o espaço e o tempo da imagem se fundissem na transmissão e se diluíssem na receção. 

O autor acaba este trajeto com a “máquina” de ordem cinco que “retorna as outras ao ponto de origem”. Estas máquinas não necessitam de duas entidades: uma para registar o Real e outra para o reproduzir: “a própria máquina pode produzir o seu “Real”, que é a imagem (informática) de si mesma, não existindo nada mais além da própria máquina. Assim, a própria imagem se tornou maquínica, inexistente para além do computador. Virtual, porque só existe enquanto a máquina funciona; interativa, porque só existe quando nós, programador ou utilizador, a solicitamos.
  
- A questão semelhança-dessemelhança (grau de analogia e os limites da mimese)

Ser semelhante a…, voltando ao início do texto, considerando que as pinturas rupestres foram as primeiras tentativas de criar imagens do mundo e de nós próprios, sou levado a acreditar que o Homem pré-histórico para além da tentativa de obter o máximo realismo, mimese, com a technè existente, a estética nunca deixou de estar presente nessas primeiras imagens do mundo, afinal “a questão da semelhança não é uma questão técnica, mas estética”.

A pintura, a fotografia, o cinema permitem registar imagens do passado Real com diversos gradientes de mimese, e isso é transversal a todas estas “artes” e independente da tecnologia. A televisão e o vídeo permite outro nível de mimese, a mimese do “tempo real”. A imagem e o som coexistem e são transmitidas em tempo real, permitindo termos “um mundo à sua imagem”.

Na última dimensão que conhecemos neste nosso percurso civilizacional, encontramos “as máquinas que deixam de reproduzir o mundo e passaram a “gerar o seu próprio real”, deixando de haver representação e referente. Ou seja “não é mais a imagem que imita o mundo, é o real que passa a se assemelhar à imagem”. 
Nas suas diferentes dimensões técnicas ou artísticas, as imagens podem ser criadas ou reproduzidas com determinados efeitos subtis, mesmo dentro de um mimetismo aparentemente perfeito, dentro do visível ou invisível (ampliação, redução, raios x….), pelo que se pode afirmar que “em matéria de imagem: a invenção essencial é sempre estética, nunca técnica.

- A questão da materialidade-imaterialidade

Dentro do mundo das imagens, tendo como ponto de partida o valor estético ou artístico,  uma pintura, rupestre ou outra, pela sua “materialidade concreta”, pelo fato de ser única, confere-lhe uma materialidade muito mais relevante que a fotografia: esta é “lisa”, achatada, não rara, pode-se destruir… desprezar.
Tecnologicamente, o cinema vive da recolha de imagens refletidas dos objetos e da sua posterior projeção. Estas imagens captadas e reproduzidas a uma velocidade “combinada” com a capacidade da retina do olho humano, como forma de conseguir materializar as imagens no nosso sistema nervoso. Este efeito de ilusão ótica, conseguido através do tempo de latência da nossa memória, leva-nos para outra dimensão da materialidade-imaterialidade, podendo ser considerada “duplamente imaterial”, na verdade, a “imagem de cinema não existe enquanto objeto ou matéria”.

Na televisão e vídeo, embora as imagens sejam captadas e emitidas seguindo os mesmos princípios de ilusão ótica, todo processo é feito eletronicamente, inicialmente através do varrimento do feixe de luz sobre um sensor para a captação de imagem e, depois, transmitido e apresentado na tela do ecrã ou num projetor de vídeo. A imagem deixou de se poder tocar, literalmente, no suporte da imagem, o objeto que a continha e que para nós era percetível, palpável, ausentou-se. A imagem passou a fazer parte de um processo eletrónico algo complexo onde não existe espaço, “mas apenas tempo”, sincronizado.


Chegamos ao fim deste percurso que denota um relação algo consistente entre a evolução tecnológica e a desmaterialização das imagens, culminando na desmaterialização total através da produção/reprodução das imagens através de sistemas informáticos. Segue os mesmos princípios eletrónicos da imagem de televisão e vídeo, mas consegue, finalmente, manipular as memórias das imagens, mesmo em tempo real. Esta conversão das imagens analógicas no formato digital, depois memorizadas e manipuladas/processadas de acordo com algoritmos matemáticos, permite a obtenção de imagens “puramente virtuais”, onde a imaterialidade atinge o seu extremo.A interatividade, a realidade virtual, a imersão provêm dessa nova dimensão imaterial da imagem, em que a computação aliada a utilização de múltiplos sensores e atuadores permitem construir mundos onde a “imagem perdeu o corpo… [a mão do artista] numa total abstração sensorial”. 

Será que tudo isto nos levará a uma “hipertrofia do ver e do tocar”, de nos tornar cegos de pensando que poderíamos ver tudo, de nos tornar insensíveis, pensando que poderiam nos fazer sentir tudo? Estou convicto que não, afinal as tecnologias, a technè, sempre foram vistas com algum ceticismo perante a sua ação no Real (e ainda bem), mas os seus promotores, os artistas digitais, os tecnólogos, sempre tiveram consciência desse fato e das limitações inerentes a determinada tecnologia, por isso fazem-nas evoluir, tornando-as cada vez mais amigáveis. O verdadeiro perigo desta ação, não está na tecnologia em si, mas sim no “mercado”, a verdadeira aneaça da arte e da humanidade.

Dubois, Philipe. Cinema, vídeo, Godard, São Paulo, Cosac Naify, 2004.
.
    

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Máquinas semíóticas


As máquina semióticas, máquinas de imagens segundo Dubois, "as máquinas, enquanto instrumentos (techné), são intermediários que vêm se inserir entre o homem e o mundo no sistema de construção simbólica que é o princípio mesmo da representação". 
Machdo diz-nos que estas máquinas estão dedicadas à tarefa de representação "desempenham um papel fundamental na atividade simbólica do homem contemporâneo". É através delas que potenciamos a nossa perceção do mundo, num processo de mediação e de resolução do "problema da codificação desse mesmo mundo"   







Dublois, Philipe (2004). Cinema, Vídeo. São Paulo, Cosac & Naify.

Machado, Arlindo (1993). Máquina e Imaginário: O Desafio das Poéticas Tecnológicas, S.P., Ed, Use


domingo, 16 de dezembro de 2012

Máquina e imaginário - como um elemento formativo

Enquanto a tecnologia assenta no pragmatismo cientifico, com objetivos bem definidos, a arte é indiferente a qualquer “teleologia” .

Se a tecnologia, pelos recursos que tem de mobilizar, indissociáveis do investimento, do capital, tem de ser rentável para justificar o reinvestimento, em que o seu progresso depende, em grande parte, do seu sucesso junto do mercado, esta filosofia de continuidade implica que os objetos por ela criada sejam consumidos, numa perspetiva de quase adoração “tecno”. 

Esta construção do mercado do imaginário, da utilização lúdica e com prazer, na procura de um sentido estético desses objetos, só pode ser construído pelos artistas “operadores por excelência das linguagens”. É por isso que a industria, ciente desta realidade e perante a necessidade de conquistar os mercados, cada vez mais procura cooptar artistas, patrocinar eventos artísticos. Mesmo a nível da investigação de ponta nas universidades é frequente o contrato de artistas para colocarem ao seu serviço o seu génio criativo/artístico. Estes processos podem ser entendidos como que um contributo dos artistas para legitimar a sociedade industrial.



Agora, e no futuro será ainda mais evidente, esta correlação entre tecnologia e arte é necessária e legitima na construção de expressões artísticas assentes nas novas narrativas tecnológicas, que naturalmente irão trabalhar “como um elemento formativo”, deixando uma marca digital profunda nas memórias da nossa evolução civilizacional. 


MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário : O Desafio das Poéticas Tecnológicas, S.P., Ed, Use, 1993

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Máquina e o Imaginário - Mãos


MÃOS

“O problema não é saber se ainda podemos considerar “artísticos” objetos e eventos tais com o holograma, um espetáculo de telecomunicações, um gráfico de computador ou um software de composição musical. O que importa é perceber que a existência dessas obras, a sua proliferação, a sua implantação na vida social colocam em crise os conceitos tradicionais e anteriores ao fenómeno artístico…"

A fotografia colocou os mesmos problemas em relação à pintura. De uma forma simplista, uma máquina, por si só, fixa as imagens com um simples clique, ficando o  registo mais ou menos fiel à responsabilidade da ótica e da ação dos fotões sobre a  emulsão química da película, mais recentemente do sensor CCD. A mão do artista, do pintor, de forma inesperada, deixou de ser fundamental para reproduzir as imagens do mundo.

Da mesma forma, as artes que podem ser emuladas através da tecnologia, já não necessitarão da motricidade fina da mão do artista, do talento que modula diretamente o objeto artístico ao sabor da sua criatividade e do seu imaginário.

E esta mudança é significativa.

Nas artes que utilizam a tecnologia digital, os algoritmos, em última análise, as pincelas e as cinzeladas de bites, tudo é feito por outro tipo de mãos, mas com as mesmas mãos. A intervenção física do artista muda radicalmente, passando-se a utilizar outras partes do corpo e dos sentidos. Inevitavelmente, as mãos entram no processo, mas de outra forma, ficando o artefacto final a uma distância significativa ou até mesmo inatingível - ou não.



Curiosidade: Esta mensagem foi escrita antes da leitura do artigo de Santaella, Arte Híbridas, onde a autora fala desta problemática. Pensei em retirá-la, mas não, o  processo de aprendizagem e do auto-conhecimento é isto mesmo, somos interpelados constantemente por estas situações que acabam por ser positivas para nós próprios... acrescentaria: o potencial semiótico da  tecnologia digital.  


MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário : O Desafio das Poéticas Tecnológicas, S.P., Ed, Use, 1993

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica


Walter Benjamin

Partindo da inevitabilidade de que uma obra de arte é, por princípio, sempre reproduzível Walter Benjamin mostra-nos de como o homem se predispõe a imitar o original, de forma mais ou menos precisa e explícita, artesanalmente ou fazendo uso de técnicas rudimentares, até à utilização de artefactos na reprodução técnica da obra de arte, cada vez mais complexos, que procuram desvalorizar ao mínimo “o aqui e agora da obra de arte”, possibilitando a sua multiplicação e, consequentemente, a sua exposição e grande difusão. Da obra de arte limitada a uma elite, supostamente culta, que a sabia apreciar e fruir, graças à reprodutibilidade técnica, passamos ao seu usufruto pelas massas, num entendimento diverso e muito próprio do que é uma obra de arte, afastando-se, tendencialmente do seu valor de culto.

Dentro desta espiral tecnológica chega a fotografia: “o primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário”, liberta a mão “das mais importantes obrigações artísticas no processo de reprodução de imagens”. O seu caráter imediato e preciso de registar os objetos, vai modificar profundamente a nossa relação com o mundo (in)visível, ou que passou a ser visível.


André Malraux no seu famoso Le Musée Imaginere (1954) fala-nos da fotografia como processo de reprodução/exposição de obras de arte, em múltiplos formatos, para o seu Museu Imaginário, procurando modificar a relação das massas com a arte, permitindo-lhe o acesso que de outra forma nunca teriam, sabendo nós que a maioria das pessoas não frequenta museus ou galerias de arte. Quando surgiu a fotografia, ela foi muito utilizada como meio de difusão das obras de arte, especialmente junto daqueles que não podiam adquirir as gravuras que elas reproduziam. O museu, o monumento, a obra de arte na generalidade, que estava distante e inacessível passou a está-lo, exposta num só plano, é certo, e perdendo muita (toda?) a sua autenticidade, desvalorizando “o aqui e agora da obra de arte” original, mas satisfazendo a(s) curiosidade(s) e proporcionando conhecimento.


Esta alteração com o visível e reproduzível vai continuar com o cinema, onde a fotografia adquire movimento, mais tarde som, proporcionando um espetáculo nunca antes imaginável. O seu significado social, pela sua capacidade de captar e de expor a “aura” e singularidade das obras de arte e de todas as imagens que nos rodeiam, o meio ambiente, revela-se historicamente muito relevante, criando um processo semelhante ao Ge-Stell, mencionado por Heidegger.

Assim como a fotografia trouxe em relação à pintura apaixonantes debates sobre o seu valor como arte, e a sua valorização/desvalorização reciproca, o cinema trouxe igual debate em relação ao teatro: “para a obra de arte que surge integralmente na reprodução técnica como o filme – não há maior contraste que o palco”. O ator actua perante um equipamento que regista imagens que serão transportadas, fragmentadas, montadas e posteriormente apresentadas ao público, que é o mercado dessas mesmas imagens.

A possibilidade dessas imagens serem vistas em simultâneo pelo coletivo, pelas massas, leva a que Duhamel chame ao cinema “um passatempo para ralé, uma diversão, para criaturas iletradas e miseráveis, gastas pelo trabalho e consumidas pelas preocupações…”. O mercado e os políticos, sabem que, na verdade, em grande parte do seu público assim acontece, por isso há que explorar a(s) imagem(ns).

Como nota final, neste texto, no epílogo, aparecem referencias à guerra. Tal como nos outros textos, o final ainda recente da II Grande Guerra e importância da técnica para a sua persecução influenciou o autor.     










.

MALRAUX, André. Museu Imaginário, Lisboa : Edições 70, 2000

domingo, 11 de novembro de 2012

A Crítica da Técnica e da Modernidade - A Questão da Técnica

                                                                                                                                (revisto e atualizado)
A Crítica da Técnica e da Modernidade
Em Heidegger e McLuhan

A Questão da Técnica
Martin Heidegger

Dentro do deslumbre das minhas mais recentes leituras - deslumbre por reencontrar conceitos familiares e que são agora revistos noutras perspectivas; deslumbre com o novo que nos interpela e nos fascina – encontrei algo que me interessa particularmente: a mediação, os processos de mediação. Mas antes disso,

A leitura “A essência da técnica não tem absolutamente nada de técnico” e "A Questão da Técnica" de  Heidegger, relembrou-me a “Condição Humana” de Hannah Arendt. Em ambos os textos, publicados na década de 50 do século passado, são transversais  questões  como a utilidade da técnica, o seu contributo para o "desencobrimento", na procura da  “verdade”, a unidade do universo, medida  única, no micro e no macro, cósmica e universal. O Ser fora de Deus. O seu impacto na natureza e no homem: no sistema produtivo (homo faber, animal laborans), na cultura e nas artes.

"...encontramos as atitudes típicas do homo faber: a «instrumentalização» do mundo, a confiança nas ferramentas e na produtividade do fazedor de objectos artificiais... e a convicção geral de que qualquer assunto pode ser resolvido e qualquer motivação reduzido ao princípio da utilidade; a soberania que vê todas as coisas dadas como matéria-prima e toda a natureza como «um imenso tecido do qual podemos cortar qualquer pedaço e tornar a  coser como quisermos» (Bergson, 1948), equacionamento da inteligência com a engenhosidade, ou seja, o desprezo por qualquer pensamento que não possa ser considerado como «primeiro passo... para a fabricação de objectos artificiais, principalmente de instrumentos para fabricar outros instrumentos e permitir a infinita variedade da sua fabricação..." (Arendt, 1958, p. 374).

"...Nada talvez pudesse preparar melhor a nossa mente para a eventual dissolução da matéria em energia, de objectos num torvedilinho de ocorrências atómicas, que esta dissolução da realidade objectiva em estados de alma subjectivos, ou, antes, em processos mentais subjectivos."  (Arendt, 1958, p. 348)

Da leitura da “Condição humana” inferi que Hannah Arendt sofreu forte influência da II Guerra Mundial e do seu final nuclear quase apocalíptico. Fruto da  ação do homo faber, de repente surgiu do "nada" uma fonte de energia que podia mudar o mundo, inclusive, aniquilá-lo. A demonstração da (in)utilidade da energia atómica, postulada no início do século por Einstein, vai recalcar a ideia que as possibilidades de manipulação da natureza pelo homem poderiam ter consequências imprevisíveis. Pareceu demonstrar, especialmente para o grande público, o assombroso poder da ciência, da técnica e, em última análise, o (des)controlo  homo faber sobre a mãe natureza.

Não conheço a obra de  Heidegger para fazer um juízo se o nuclear, na época, influenciou a sua obra como aparentemente o fez em Arendt. É provável que sim. [1]

Na "A Crítica da Técnica e da Modernidade em Heidegger e McLuhan" chega-me a questão da mediação e o seu lugar central na cultura contemporânea, onde o livro e a "Galáxia de Gutemberg" é considerada no processo de mediação, uma forma tecnológica tradicional... [que entretanto] "já entraram em crise".

Interessa-me especialmente estes aspetos nesta u.c., Processos de  Comunicação Digital, pois a minha investigação vai centrar-se na promoção da leitura através da mediação digital. Sabemos do forte impacto do digital sobre a leitura nos suportes tradicionais, tangíveis. Lê-se agora mais, mas de outras formas.

"Para McLuhan, o remoinho é a metáfora do caos social produzido pelo engenho técnico humano. O poder desse remoinho é, actualmente, tão grande que é inútil tentar enfrentá-lo... deixando-se levar, poderá obter vantagens."

Mcluhan destaca três dimensões ou conjuntos históricos, técnicos e comunicacionais:

- A dicotemia Oral/escrito: "a invenção da escrita, para McLuhan, violou a multiplicidade sagrada dos sentidos que a oralidade preenche"
- O surgimento dos tipos móveis - A imprensa: "um modelo primitivo da tecnologia industrial: ao deixar-se ‘colonizar’ pela informação processada segundo este esquema, o sujeito moderno condiciona-se a aceitar, inadvertidamente, a tirania desumanizadora da vida mecânica"
- A Era da electrónica: "dominou as influências desintegradoras da imprensa e recolocou o humano na dimensão da ‘aldeia global’.

A imprensa não se confina a uma sequência de carateres, existem as imagens (como existiam as iluminuras nos incunábulos), na verdade, cumpriu (cumpre) um importante papel civilizacional. Existem muitos remoinhos tecnológicos, também é verdade. Acredito que a seu tempo tudo se tornará claro.

"A resposta a dar à cultura passa pelo reconhecimento, como disse, em algum lugar, G. Agamben, de que tudo se joga ‘em exibir uma medialidade, em tornar visível um meio como tal’, o que passa por ir além da instrumentalidade e da ilusão de controle."


[1] - Numa consulta ocasional, após a escrita da presente mensagem, deparei-me com o seguinte informação na Wikipédia:

"Martin Heidegger teve como aluna a judia Hannah Arendt, que se tornou também uma importante filósofa do século XX, com quem se envolveu amorosamente."

Está explicado porque é que encontrei bastantes semelhanças os textos.


Arendt, Hannah. A Condição Humana. Lisboa: Relógio D'Água, 2001



.