domingo, 17 de fevereiro de 2013

Transmédia


À nova estética que surgiu em resposta à convergência dos vários tipos de média, chamou Henry Jenkins  narrativa transmédia. Esta nova estética “faz exigências aos consumidores e depende da participação de comunidades de conhecimento. A narrativa transmédia é a arte da criação de um universo”

Para que a narrativa transmédia sobreviva é necessário que os seus consumidores a persigam no universo ficcionado onde ela se materializa. Normalmente os seus consumidores organizam-se em comunidades de fãs onde partilham pedaços da narrativas recolhidos nos diversos canais onde ela é vinculada. São comentados esses pedaços da história entre fãs e com outros fãs de outras comunidades que partilham o mesmo universo, através de grupos de discussão on-line. O início do processo transmediático pode dar-se através do interesse em determinada história ou narrativa, em suporte: livro, filme, música, jogo, vídeo-jogo…) que ao encontrar um feedback  favorável do público/consumidores pode ser explorado em outras dimensões e em outros suportes de média, tangíveis e intangíveis, gerando receitas que podem ser muitos significativos nas diversas indústrias e comercio. Este alargar de audiências, por si só, sem este enlace com os consumidores (fãs), dificilmente aconteceria. 

“A narrativa transmédia é a arte da criação de um universo” daqui se depreende que a passagem da narrativa para outro média é feita com a intenção de alargar e melhorar a perceção do universo ficcionado (muitas vezes intencionalmente complexo) junto do seu público, de forma a oferecer experiências de entretinimento mais ricas, e consequentemente alargar o número de consumidores, geradores de receita através das estratégias promocionais. Matrix, Henry Potter e a Guerra das Estrelas são exemplos marcantes destes novos universos. No caso da Guerra das Estrelas, os fãs obrigam a uma remodelação ativa da mitologia a fim de satisfazerem os seus desejos, muitas vezes fazendo jus do seu próprio conhecimento sobre determinado conteúdo e do enlace (do melhor enlace, discutido em grupo) esperado pelos seus seguidores, enriquecendo assim a narrativa num processo onde se reconhecem os fundamentos da inteligência coletiva e da cultura participativa.

De forma abreviada, a narrativa transmédia assenta nos seguintes princípios: Potencial de compartilhamento vs profundidade, Continuidade vs Multiplicidade, Imersão vs Extração, Construção de universos, Serialidade, Subjetividade e Performance.


Numa pesquisa no Google com a frase "jogos guerra nas estrelas" (em português e entre plicas "") foram  devolvidos 1.140.000 resultados.



Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008 


sábado, 16 de fevereiro de 2013

Cibercultura e Cultura da Convergência


A cibercultura, segundo André Lemos, formou-se pela “convergência do social, e do tecnológico”, em que os seus contornos, inicialmente difusos, com a “inclusão da socialidade na técnica” – socialidade descrita por Maffesoli como um conjunto de práticas quotidianas (hedoísmo, tribalismo, presenteísmo, vitalismo, formismo) que escapam ao controlo social e que constituem o substrato de toda a vida em sociedade -, vai adquirindo contornos mais nítidos.

Inicialmente vista como uma contracultura, muito por causa das suas posições contra o totalitarismo da razão científica, da racionalização dos modos de vida e da Natureza, a cibercultura “não recusa a tecnologia”, e seria paradoxal se assim não fosse, pois a sua génese vem da própria razão científica: a cibercultura “emerge da relação simbiótica sócio-cutural e as tecnologias de base da micro-eletrónica.

Hoje, o próprio termo cibercultura é, por si só, menos estranho culturalmente, ou seja, as suas ferramentas tecnologias de partilha de emoções e de conhecimento, de convivialidade, de “retorno comunitário”, em suma, de conetividade sociocultural, vulgarizaram-se. Atualmente, a “cibercultura é a socialidade na técnica e a técnica na socialidade” têm contornos muito maís nítidos. Entre os muitos exemplos marcantes desta simbiose tecnológica, que atualmente chamaria discreta, encontramos a adoção das redes sociais pelos políticos, até pelo Papa, para a sua propaganda junto da comunidade e dos mass media. 

A cultura da convergência de Henry Jenkins dá enfase à inteligência coletiva e à cultura participativa, salientado que todo este processo é essencialmente cultural e não tecnológico. Em André Lemos não encontramos essa preocupação em afastar a técnica do conceito, mas sim uma maior aceitação de que a cibercultura e o ciberespaço enquanto forma técnica, são “ao mesmo tempo limite e a potência dessa estrutura social de conexões táteis, que são as comunidades virtuais […] um mundo saturado de objetos técnicos, será nessa forma técnica que a vida social vai impor o seu vitalismo (a socialidade) e reestruturá-la.” Ou seja, André Lemos vê-as mais com uma “sinergia entre a socialidade contemporânea e a técnica em que a primeira não rejeita a segunda.”

Nestes dois conceitos, cibercultura e cultura de convergência, encontramos como ponto comum: o impacto das tecnologias, especialmente a digital, na sociedade contemporânea. Ambos tendem a criar novos percursos comunicacionais e produzir conteúdos alternativos aos existentes no status quo dos poderosos mass media tradicionais. Isto no novo mundo digital, virtual, em que existe um grande potencial de partilha de conteúdos, tanto a nível individual como coletivo (fãs, chats, blogs, MUDs…), todos eles mergulhados na aparente liberdade onírica da Rede das redes.

Lemos, André. Ciber-Socialidade. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea.
Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Cultura da Convergência, Inteligência Coletiva e Cultura Parcipativa


A convergência ocorre, de facto, “dentro do cérebro dos consumidores individuais e em suas interações com os outros.” A convergência acontece na confluência das fontes de informação junto dos seus utilizadores e na sua partilha depois de aditivada (ou não). As novas tecnologias permitem que essa informação flua por diversos canais tecnológicos e que os utilizadores a recebam de forma espartilhada, sendo eles os responsáveis, os decisores, pela ativação (ou não) da convergência da forma mais adequada às necessidades de contexto. Será uma forma de zapping constante ao fluxo de conteúdos provenientes das múltiplas plataformas mediáticas, procurando em pontos dispersos as fontes do saber - fruto da “inteligência coletiva” e da “cultura participativa -, o conhecimento convergente para alcançar determinado objetivo. No sentido inverso, como emissor/produtor, no colocar “de volta” a informação, as premissas são muito semelhantes, como nos diz Jenkins, os “consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo dos mídia e para interagir com outros consumidores”. 

Assim, a inteligência coletiva surge e amplia-se dentro da própria ubiquidade da Rede da redes e nos novos media, onde a fragmentação da informação é uma realidade, mas talvez por isso mesmo, detentora de um enorme potencial para gerar conhecimento, se convenientemente interrogada e partilhada A essa pesquisa podemos chamar processo de agregação da inteligência coletiva, de convergência, em que os saberes de cada um, a inteligência individual depositada na Rede, pode resultar no conhecimento de que necessitávamos à priori, e até ser muito significativo em determinados contextos, à posteriori. De forma empírica é isso que fazemos quando colocamos informação num repositório web (blogs, redes sociais) ou quando utilizamos um motor de busca. Esta capacidade das comunidades virtuais promoverem de forma combinada o conhecimento entre os seus membros, sintetiza o argumento de Jenkins: “nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos as nossas habilidades”. 

Esta agregação da informação é feita de forma autónoma, podendo constituir, por isso, uma “fonte alternativa” ao poder dos media, normalmente formatados dentro de um processo comunicacional complexo e inacessível à grande maioria dos seus utilizadores/consumidores/espatadores. Este comportamento ativo, “migratório”, contrasta com a atitude passiva dos espetadores/consumidores dos mass media tradicionais. Agora, os indivíduos conseguem interagir através da sua inteligência individual, suportados por um conjunto diversificado de regras e tecnologias, agregando e partilhando conhecimento, criando a inteligência coletiva. Esta convergência e partilha dos novos media, favorece a cultura participativa como um processo de mudança cultural, em que ao invés de os olhar separadamente, quem produz e quem consome, passamos a olhá-los como participantes no mesmo processo, interagindo, dialogando, mutuamente de acordo com os nossos interesses e necessidades, individuais e coletivos, “lutando pelo direito de participar plenamente na sua cultura”. Como demonstra Jenkis, as comunidades de fãs (ele também um fã assumido), foram “as primeiras a adotar e usar criativamente os mídia emergentes”, são um bom exemplo da cultura participativa. 

Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008.

Henry Jenkins (http://henryjenkins.org)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Cultura da Convergência - Henry Jenkins


Henry Jenkins alerta-nos que a convergência "não deve ser compreendida principalmente como um mero processo tecnológico que une múltiplas funções dentro do mesmo aparelho", por mais sofisticado que possa vir a ser, mas sim como um fluxo de conteúdos que se cruzam através de múltiplos suportes mediáticos e onde o comportamento dos produtores e dos consumidores, e dos seus poderes perante sobre esses mesmos conteúdos, provocam interações muitas vezes imprevisíveis. Dentro da linha de pensamento, numa perspetiva mais ampla, encontramos outros cientistas sociais como Castells, Orteleva, Webster, etc., que nos dizem que “a sociedade não é a tecnologia mas sim a forma como nos apropriamos dessa tecnologia sendo essa apropriação fruto de inúmeras possibilidades. A geração da tecnologia ocorre num ambiente social e á influenciada por ele.” e ainda “As tecnologias são sociais nas suas origens e efeitos” (Cardoso, 2006 : 52,53)

Penetrando na brecha deixada por Henty Jenkins em “não deve ser compreendida principalmente”, questionamos se a sua visão da “Cultura de Convergência”, retida num tempo tecnológico já algo distante, (1ª ed. 2006), será exatamente a mesma que em 2013. Se o “principalmente” não terá outro peso atualmente, quando o estado de integração e de migração efetiva dos conteúdos dos suportes tangíveis para os intangíveis, fruto da digitalização massiva, e a sua partilha efetiva, atingiu níveis bastante elevados. O acesso aos conteúdos convergiu de forma vertiginosa para as plataformas web, através do XML, HTML5, etc., etc. Hoje, as múltiplas “caixas negras” não estão confinadas à sala de estar, singularizaram-se e agora acompanham-nos. Fala-se muito, por exemplo, de “tablets”, mas não tanto do seu sistema operativo, se OS/2, se Android ou Windows 8, simplesmente conseguimos aceder, publicar e partilhar. Mesmo as aplicações informáticas, algumas de alto desempenho, estão na “nuvem”. Hoje o novo paradigma computacional chama-se “cloud computing”, flui na Rede das redes, sendo também o web browser a interface privilegiada. Nestes 7 anos muita coisa mudou, arriscaria por isso: o “principalmente” de Henry Jenkins tem agora um maior peso na - actual - convergência, diria, facilitando-a, naturalmente!

Mas, no essencial, a convergência ocorre, de facto, “dentro do cérebro dos consumidores individuais e em suas interações com os outros". A convergência dá-se na confluência das fontes de informação junto dos seus utilizadores. As novas tecnologias mediáticas permitem que a informação flua por diversos canais tecnológicos e que um mesmo utilizador as receba de diversas formas, sendo ele o decisor, o responsável,, por ativar (ou não) a convergência da forma mais adequada às necessidades de contexto. Será uma forma de zapping informativo constante, procurando em pontos dispersos as fontes do saber - fruto da “inteligência coletiva” e da “cultura participativa" - o conhecimento convergente para alcançar determinado objetivo. No sentido inverso, como emissor, no colocar “de volta”, num processo cíclico   "arquivo, apropriação e recirculação do conteúdo das mídias", aditivada ou não, as premissas são muito semelhantes, como nos diz Jenkins os “consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo dos mídia e para interagir com outros consumidores”. A convergência representa, de facto, uma mudança no modo como encaramos as nossas relações com os media. 

Desta reflexão atrevo-me a concluir que a convergência enriquece-se com a divergência tecnológica na produção e difusão de conteúdos nos diversos canais, potenciando a cultura participativa fora dos grandes media, mas também, e no mesmo sentido, com a possibilidade de convergência num único aparelho no acto de recepção.  Assim, atualmente, a “falácia da caixa preta” merece uma análise mais cuidada e menos acutilante, pois a convergência tecnológica actual facilita a recolha e a difusão da informação, ou seja, a cultura da convergência. 


 Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008.

Cardoso, Gustavo (2006), Os Media na Sociedade em Rede, Fundação Calouste Gulbenkian


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Pós-humano


No texto “O corpo biocibernético e o advento do pós-humano”, Lúcia Santaella oferecemos uma breve resenha histórica do processo de hibridização que o corpo humano tem vindo a sofrer numa estreita simbiose com as tecnologias. Parece-me claro que todo este processo surge, tanto da necessidade de resolver problemas funcionais e estéticos decorrentes de anomalias genéticas ou provocadas pelo ambiente, como pela ambição de ser mais forte, mais belo, mais competente ou simplesmente na procura de novas experiências sensoriais, estéticas ou artísticas. Como pano de fundo, neste trajeto, encontramos a forte influência do artefacto eletricidade/eletrónica, reforçada com chegada da “revolução digital”, sua descendente tecnológica. Marca a “entrada numa nova era”, que se prevê vir a influenciar de forma ainda mais marcante a nossa existência e o nosso corpo, actualmente já pós-humano.

A física, a química e a matemática (ciências base da eletrónica, que se realimentam dela própria para evoluírem, através da pesquisa, investigação e cálculo com artefactos eletrónicos), e as ciências na generalidade, como é do senso comum, estiveram e estão a ter um forte impacto sobre a humanidade e sobre a mãe natureza. Focando-nos na eletricidade passando depois para a eletrónica, primeiro a analógica, depois a digital, desde os finais do sec. XIX até à presente data, apercebemo-nos da sua influência decisiva naquilo que somos e para onde caminhamos. Isto numa dimensão e num periódico drasticamente antagónicos: nunca nenhum artefacto criado pelo ser humano teve tão forte influência, num tão curto período de tempo, no pressuposto desenvolvimento civilizacional.


No texto de Santaella encontramos referências explícitas à influência que o artefacto eletricidade/eletrónica teve neste mesmo desenvolvimento socio-cultural, até à revolução digital, considerada como a “entrada numa nova era”, que se prevê influenciar de forma ainda mais marcante a nossa existência e o nosso corpo.

No advento do pós-humano encontramos o efeito profundo da eletrónica (Hayles, 1992), que acaba por ser transversal a todas as tecnologias pós-humanas, especialmente se entendermos que as tecnologias aparentemente mais afastadas da eletrónica, como por exemplo as biotecnologias, são altamente dependentes desta, desde a fase de investigação até à produção final dos artefactos. As que mais dependem diretamente da eletrónica - aqui mais digital/computacional - são: RV – Realidade Virtual e a Rede das Redes – Internet.
Relativamente às “múltiplas realidades do corpo”, das classes apresentadas por Santaella, voltamos a encontrar no corpo esquadrinhado, plugado, simulado e digitalizado uma forte dependência da eletrónica. Em todas elas, encontramos as expressões artísticas em que "as artes tomam como foco e material de criação as transformações por que o corpo, e com ele, os equipamentos sensório-perceptivos, a mente a consciência e a sensibilidade do ser humano vêm passando como fruto de suas simbioses com tecnologias" (p.271)

Mas a maior revolução ainda poderá estar para vir: quando se conseguir armazenar e processar informação em sistemas vindos da biotecnologia e da nanotecnologia – já em franco desenvolvimento – em que os processos de conversão digital/analógico serão necessariamente diferentes, ou até mesmo inexistentes, mais próximos do processo biológico natural, ou seja, do analógico. Aqui o corpo híbrido será todo ele orgânico, sendo a parte maquínica utilizada na preparação dos métodos e das interfaces que serão implantadas a posteriori no nosso corpo.


Apenas com nota, será interessante refletirmos sobre o seguinte: num contexto meramente eletrónico e biológico, é relevante termos a noção que o corpo humano nunca irá comunicar diretamente com a máquina digital, contrariamente ao senso comum. Entre a máquina digital e o ser humano, existirá sempre uma interface que converterá os sinais digitais em analógicos em digitais e vice-versa, os chamados conversores analógicos/digitais e digitais/analógicos. O homem é, e será sempre, um ser analógico, assim como toda a natureza que nos rodeia. O digital é simplesmente um artefacto genial inventado pelo homem que armazena informação num sistema binário, em 0’s e 1’s, na verdade, ainda muito imperfeito, do qual se esperam sempre maiores taxas de amostragem, maior capacidade de processamento, maiores taxas de transferência, etc., etc. e dificilmente um dia será perfeito. Penso que a maior revolução ainda está para vir quando se conseguir armazenar e processar informação num sistema que não o digital, como por exemplo, os sistemas vindos biotecnologia e nanotecnologia – já em franco desenvolvimento – em que os processos de conversão serão necessariamente diferentes, ou até mesmo inexistentes, mais próximos do processo biológico natural, ou seja, do analógico

Santanella, Lúcia, O corpo biocibernético, o advento do pós-humano, S.P.,Ed.Paulus, 2003

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Máquinas de Imagens

Philipe Dubois

A morte, inerente à existência de todo o ser vivo, levou os chamados inteligentes a marcarem o espaço físico, social e cultural onde se inserem de diferentes formas. Para quê? Para preservarem as suas memórias, memórias essas que transportam o conhecimento de geração em geração, seja ela neural, iconográfica, monumental, fotográfica… ou digital. A primeira, a do nosso sistema neural, é efémera, não tem um fim datado, mas tem sempre um fim. Então como preservar e transmitir o conhecimento que lhe está associado? Esse tem sido um dos grandes desafios da humanidade. Depois da oralidade (do ouvir e do dizer), das imagens das pinturas rupestres, chegamos a formas muito complexas de preservar as memórias e, num salto muito significativo, através das novas “máquinas de imagens”.


Centrando-se nas “quatro últimas tecnologias” que suportam as “máquinas de imagens”, fotografia, cinema, televisão/vídeo e informática, Dubois mostra-nos a importância da novidade tecnologia associada a esse ato maquínico de registar e reproduzir as imagens. A novidade tem um papel fundamental no discurso e nas novas estéticas que supostamente brotam dessas imagens feitas sem a arte da mão do homem. A inovação tecnológica, a “retórica do novo”, numa apoteose tecnológica quase profética, parece provocar uma rutura com o passado, num sentido quase revolucionário que advém da utilização das novas “máquinas de imagens”, que acaba por provocar uma forte distorção entre o discurso e a realidade prática. Consciente deste facto, Dubois procura fazer uma de análise muito minuciosa, seguindo três eixos transversais:

- A questão maquinismo-humanismo (O lugar do Real e do Sujeito)

A “perda de artisticidade” a “desumanização” provocada pela falta da mão do artista na fabricação das novas imagens fotográficas vindas de uma technè que atinge um lugar quase “divino” na época, provoca inquietação no meio artístico. A construção das imagens é agora feita de forma automática, onde o homem é particamente excluído do ato. As imagens produzidas, fruto de uma representação quase perfeita e objetiva do mundo,  introduzem uma nova relação entre o Real e o Sujeito, Tal fato resulta num “problema de atrofia do homem”,  numa possível dissolução do Sujeito. Segundo Jonathan Crary a evolução do maquínico e o problema do humanismo ou da artisticidade são coisas bem diferentes: “o desenvolvimento daquela não tem necessariamente como correlato a regressão destes”.

A evolução do maquinismo é marcada pelo advento do cinema que possibilita a produção do imaginário, reintroduzindo o Sujeito na imagem, modificando substancialmente a relação entre o humanismo (estética) e o maquinismo (tecnologia).

Com a chegada da “máquina” de ordem quatro, a televisão e do sinal vídeo, dá-se uma nova evolução significativa, até aqui tínhamos, inevitavelmente, imagens do passado do passado, registadas em suportes de memoria química, inalteráveis, surge a possibilidade de termos as imagens em múltiplos lugares num mesmo intervalo de tempo, como se o espaço e o tempo da imagem se fundissem na transmissão e se diluíssem na receção. 

O autor acaba este trajeto com a “máquina” de ordem cinco que “retorna as outras ao ponto de origem”. Estas máquinas não necessitam de duas entidades: uma para registar o Real e outra para o reproduzir: “a própria máquina pode produzir o seu “Real”, que é a imagem (informática) de si mesma, não existindo nada mais além da própria máquina. Assim, a própria imagem se tornou maquínica, inexistente para além do computador. Virtual, porque só existe enquanto a máquina funciona; interativa, porque só existe quando nós, programador ou utilizador, a solicitamos.
  
- A questão semelhança-dessemelhança (grau de analogia e os limites da mimese)

Ser semelhante a…, voltando ao início do texto, considerando que as pinturas rupestres foram as primeiras tentativas de criar imagens do mundo e de nós próprios, sou levado a acreditar que o Homem pré-histórico para além da tentativa de obter o máximo realismo, mimese, com a technè existente, a estética nunca deixou de estar presente nessas primeiras imagens do mundo, afinal “a questão da semelhança não é uma questão técnica, mas estética”.

A pintura, a fotografia, o cinema permitem registar imagens do passado Real com diversos gradientes de mimese, e isso é transversal a todas estas “artes” e independente da tecnologia. A televisão e o vídeo permite outro nível de mimese, a mimese do “tempo real”. A imagem e o som coexistem e são transmitidas em tempo real, permitindo termos “um mundo à sua imagem”.

Na última dimensão que conhecemos neste nosso percurso civilizacional, encontramos “as máquinas que deixam de reproduzir o mundo e passaram a “gerar o seu próprio real”, deixando de haver representação e referente. Ou seja “não é mais a imagem que imita o mundo, é o real que passa a se assemelhar à imagem”. 
Nas suas diferentes dimensões técnicas ou artísticas, as imagens podem ser criadas ou reproduzidas com determinados efeitos subtis, mesmo dentro de um mimetismo aparentemente perfeito, dentro do visível ou invisível (ampliação, redução, raios x….), pelo que se pode afirmar que “em matéria de imagem: a invenção essencial é sempre estética, nunca técnica.

- A questão da materialidade-imaterialidade

Dentro do mundo das imagens, tendo como ponto de partida o valor estético ou artístico,  uma pintura, rupestre ou outra, pela sua “materialidade concreta”, pelo fato de ser única, confere-lhe uma materialidade muito mais relevante que a fotografia: esta é “lisa”, achatada, não rara, pode-se destruir… desprezar.
Tecnologicamente, o cinema vive da recolha de imagens refletidas dos objetos e da sua posterior projeção. Estas imagens captadas e reproduzidas a uma velocidade “combinada” com a capacidade da retina do olho humano, como forma de conseguir materializar as imagens no nosso sistema nervoso. Este efeito de ilusão ótica, conseguido através do tempo de latência da nossa memória, leva-nos para outra dimensão da materialidade-imaterialidade, podendo ser considerada “duplamente imaterial”, na verdade, a “imagem de cinema não existe enquanto objeto ou matéria”.

Na televisão e vídeo, embora as imagens sejam captadas e emitidas seguindo os mesmos princípios de ilusão ótica, todo processo é feito eletronicamente, inicialmente através do varrimento do feixe de luz sobre um sensor para a captação de imagem e, depois, transmitido e apresentado na tela do ecrã ou num projetor de vídeo. A imagem deixou de se poder tocar, literalmente, no suporte da imagem, o objeto que a continha e que para nós era percetível, palpável, ausentou-se. A imagem passou a fazer parte de um processo eletrónico algo complexo onde não existe espaço, “mas apenas tempo”, sincronizado.


Chegamos ao fim deste percurso que denota um relação algo consistente entre a evolução tecnológica e a desmaterialização das imagens, culminando na desmaterialização total através da produção/reprodução das imagens através de sistemas informáticos. Segue os mesmos princípios eletrónicos da imagem de televisão e vídeo, mas consegue, finalmente, manipular as memórias das imagens, mesmo em tempo real. Esta conversão das imagens analógicas no formato digital, depois memorizadas e manipuladas/processadas de acordo com algoritmos matemáticos, permite a obtenção de imagens “puramente virtuais”, onde a imaterialidade atinge o seu extremo.A interatividade, a realidade virtual, a imersão provêm dessa nova dimensão imaterial da imagem, em que a computação aliada a utilização de múltiplos sensores e atuadores permitem construir mundos onde a “imagem perdeu o corpo… [a mão do artista] numa total abstração sensorial”. 

Será que tudo isto nos levará a uma “hipertrofia do ver e do tocar”, de nos tornar cegos de pensando que poderíamos ver tudo, de nos tornar insensíveis, pensando que poderiam nos fazer sentir tudo? Estou convicto que não, afinal as tecnologias, a technè, sempre foram vistas com algum ceticismo perante a sua ação no Real (e ainda bem), mas os seus promotores, os artistas digitais, os tecnólogos, sempre tiveram consciência desse fato e das limitações inerentes a determinada tecnologia, por isso fazem-nas evoluir, tornando-as cada vez mais amigáveis. O verdadeiro perigo desta ação, não está na tecnologia em si, mas sim no “mercado”, a verdadeira aneaça da arte e da humanidade.

Dubois, Philipe. Cinema, vídeo, Godard, São Paulo, Cosac Naify, 2004.
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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Máquinas semíóticas


As máquina semióticas, máquinas de imagens segundo Dubois, "as máquinas, enquanto instrumentos (techné), são intermediários que vêm se inserir entre o homem e o mundo no sistema de construção simbólica que é o princípio mesmo da representação". 
Machdo diz-nos que estas máquinas estão dedicadas à tarefa de representação "desempenham um papel fundamental na atividade simbólica do homem contemporâneo". É através delas que potenciamos a nossa perceção do mundo, num processo de mediação e de resolução do "problema da codificação desse mesmo mundo"   







Dublois, Philipe (2004). Cinema, Vídeo. São Paulo, Cosac & Naify.

Machado, Arlindo (1993). Máquina e Imaginário: O Desafio das Poéticas Tecnológicas, S.P., Ed, Use